“E a Legião que chega através dos becos escuros
de duas casas transcende o tempo, e me faz entender porque isto era importante
para você. Talvez se eu soubesse disso acerca de 10 anos atrás teria
atravessado o muro mais cedo, sem esperar que o som se revelasse cinco anos
depois.” (Allyne A.).
Ah! Se o meu caso de amor com
Legião Urbana tivesse começado mais cedo, eu juro, teria mais assunto para
debater com o André. Mas a coisa não foi tão simples, porque quanto mais a
ouvia mais a abusava, mais queria banir aqueles versos depressivos do meu
repertorio, e esquecia boa parte da inspiração...
Pois eram duas casas, uma
comercial e outra residencial quente e abafada. Tudo que acontecia na primeira sussurrava
na segunda, até as frases mais silenciosas e juras de raiva. Com o campus
universitário à frente, ruas ao meio. Talvez fossem 2002 ou 2004, já não lembro
mais. O campus incendiava de jovens na faixa dos 20 e 30 anos, filhos da
geração 70/80 embalados pelas descargas elétricas dos meados de 90. Eu não entendia
direito aonde me encaixava, ainda estava no colégio e fazia pouco caso disso
tudo. Acho que deveria ser assim.
Mas na lanchonete ao lado vendiam
confetes de chocolate e sorvete de morango. Sair de casa a tarde era um parto,
mas valia a dor por estes dois motivos. Você estava lá, em meio a apostilas de
história e políticas públicas, com o semblante tranquilo, como se nada fosse
melhor que aquilo tudo, enquanto Renato se desmanchava em “Pais e filhos”. Você perdido em folhas de papel e eu achando aquilo
besteira total, mas ele puxou assunto e também ouvia Kid Abelha, nós trocávamos
palavras, e nos tornamos conhecidos.
No entanto, você foi trabalhar com
a minha mãe, e lá vocês afinaram suas fronteiras musicais, enquanto eu já não achava
idiotice certa coisas, como gritar “eu te amo” e dedilhar de guitarras. Comecei
a mudar, ouvir novos cd’s e a assistir coisas novas, você se tornava
musicalmente mais próximo. Eu caminhava para me tornar roqueira, graças a você,
enquanto você estava mais perto de se formar, mas agora éramos paralelos que se
encontravam na sala de trabalho e pelas ruas do campus, sem conversas mole de
lanchonete. Minha paixão por tecnologia nascia aqui também, e os celulares e
msn’s começavam a dominar o cenário das conversas normais. Eu custei admitir,
mas você me influenciou.
Você sorriu para mim uma semana
depois de ter me entregado a coletânea “Rock Brasil”, era o museu de arte,
história e filosofia na escola, e eu estava com as mãos lotadas de artigos
antigos, como discos e revistas. Você atravessava a esquina, e me sorria com um
tranquilo “boa tarde” e nada mais, seguiu seu caminho. Eu não posso dizer que
senti alguma coisa, um mau pressentimento ou azar, mas antes do fim do mês você
se foi e aquela visão foi uma das ultimas que me restou.
Sabe, eu já não ouvia Legião,
porque o sofrimento dela se tornava o meu. Como pode um jovem como você ir
embora tão cedo? Não, eu não admitia. E ouvir os caras, só me lembrava do
quanto você era especial e acreditava neles. Silenciei meus ouvidos por alguns
anos quanto a ela, mas a vida me trouxe outros garotos como você, e eles tinham
o mesmo olhar e os mesmos sonhos e aquilo reascendeu algo, algo bom.
Hoje, continuou a alimentar a minha
coleção de discos raros, pois fiz como você me ensinou. Mas voltar a ouvir
Legião Urbana é algo novo, é outra perspectiva. É como se a cada verso você sorrisse
do outro lado da rua, e estivesse feliz. Eu acredito nisso e agora posso
entender porque aquilo era tão importante para você. Mas voltar a gostar de
motos, isso nunca mais.
Por isso, obrigada André.
“Não digo nada, espero
o vendaval passar
Por enquanto eu não sei
O que você me falou me fez rir e pensar
Porque estou tão preocupado
Por estar tão preocupado assim?”
Por enquanto eu não sei
O que você me falou me fez rir e pensar
Porque estou tão preocupado
Por estar tão preocupado assim?”
(Eu era um lobisomem juvenil* – Legião Urbana).
P.S: Texto baseado em fatos
reais. Boa semana para vocês!
P.s.2: André veio a falecer em novembro de 2006, por consequência de um acidente de moto.
P.s.2: André veio a falecer em novembro de 2006, por consequência de um acidente de moto.
1 comentários:
Esse post foi lindo, Allyne. Com sua carga de tristeza, mas lindo. Que bom que o seu amigo deixou esse amor pela música, pelo rock, pela Legião.
Isso é algo que não dá pra esquecer!
Sacudindo Palavras
Postar um comentário