Essa minha nóia de infância pela Alemanha sempre foi assombrada pelo nazismo. Pelo fato da minha família ter sofrido na época da guerra em solo brasileiro (o que resultou no fato do meu pai não falar nem alemão nem italiano e, consequentemente, eu também não ter contato com o dialeto entre outras coisas) e pela eterna sombra de Hitler. De algum modo, para muitos, ter orgulho da descendência alemã é o mesmo que se dizer nazista. dizer que odeia o Brasil ou algo do gênero.
Nessa minha viagem, tive contato com cenários da guerra e conversei com pessoas que, inevitavelmente, se referiam a ela. O cara em Colônia que queria me dar um presente pra provar que os alemães não são o que muitos imaginam; a senhora que me guiou por Dresden e realmente se emocionou (no sentido real da palavra, não naquele que eu costumo usar) ao relembrar as tragédias pela qual a cidade passou (o bombardeio no fim da guerra que destruiu mais de 90% da cidade e o alagamento em 2002 - com essa nova invasão do Elba, eu inúmeras vezes me peguei pensando naquela senhora e torcendo para que ela esteja bem, ao mesmo tempo que imagino como ela deve estar triste); o alemão que falava português em Leipzig que contou que um dos seus pais saiu do lado oeste alemão às vésperas da construção do muro para fugir do comunismo e que, até 89, não teve contato com a família.
O Elbe e os antigos prédios (reconstruídos) de Dresden. |
Andar por Dresden e imaginar tudo destruído pelo bombardeio foi realmente algo à parte. Imaginar as explosões, o silêncio que as seguiram, os gritos de desespero e dor, os resgates, o reinício. Sem dúvida, é a cidade que mais simboliza o que os alemães sofreram. Porque, sim, os alemães sofreram. Quando se fala a palavra "alemães", todos já associam com a segunda guerra, os veem como vilões e coisa e tal. Não negamos, é verdade. Esquecemos os aliados que eles tiveram, esquecemos que nem todos eram nazistas, esquecemos que os próprios alemães sofreram uma ditadura e não tinham dias normais e despreocupados enquanto Hitler matava judeus em campos de concentração. Muitos desses judeus, aliás, nasceram na Alemanha e, portanto, eram alemães.
Me vem em mente agora o livro/filme A onda, no qual se conta um experimento real de um professor americano com seus alunos quando o tema era Segunda Guerra e um dos estudantes indagou se todos os alemães eram nazistas. Menos de 10%. Então por que eles não foram parados? Essa foi a questão que resultou numa experiência escolar sem precedentes e que poderia ter tido o final trágico que o filme alemão deu. Como não sei se o livro existe no Brasil, eis a primeira parte do filme feito nos anos 80 e que é mais original ao livro: AQUI.
Tô me estendendo mais do que gostaria. O que quero dizer é que os alemães ainda sofrem com essa sombra de Hitler. Talvez porque na escola ainda se diga "os alemães mataram judeus", quando talvez fosse melhor dizer "Hitler matou judeus". Talvez porque a primeira coisa que as pessoas associam à Alemanha é a guerra. Aliás, no livro A Lista de Schindler, que transcreve o depoimento de um dos caras que narrou fatos que basearam o filme, que ajudou a digitar a lista e foi secretário de um comandante de um campo, é dito que havia judeus que por vezes eram piores que os militares dos campos. Por quê? Porque vendiam colegas por pouco e, por isso, se achavam melhores. É quase como aqueles caçadores de escravos que odiavam negros e... eram negros. Nem todos os judeus eram santos, nem todos os alemães eram diabos. No filme O Pianista aparece um que teve seu nome registrado por, em meio ao exército, salvar muitos judeus da morte (desculpem, mas sou péssima com nomes, vejam o filme).
Sempre digo que o Udo Lindenberg é quase que o Roberto Carlos alemão, já que ele foi um dos precursores do rock nacional, mas ele é ainda mais importante - e não só porque ele não se destruiu ao longo dos anos. Em Berlin há um musical do Udo sobre a garota de Berlin-Oeste, frequente personagem das suas músicas setentistas. Canções de amor que registram um país, uma cidade dividida ao meio, onde um lado era inalcançável para o outro. Em sua passagem pela capital alemã, David Bowie também registrou esse sentimento num dos hinos da época, Heroes/Helden: "Ich glaubte zu träumen, die Mauer im Rucken war kalt, Schüsse reissen die Luft, doch wir kussen als ob nichts geschieht" (Eu acho que eu sonhei, o muro gelado nas costas, tiros rasgando o ar, mas nos beijamos como se nada acontecesse). E ainda tem Scorpions com a música que virou trilha da queda do muro: Wind of change.
Músicas têm aos montes, mas só ontem atentei para a música que dá nome ao 15° álbum de estúdio do Die Toten Hosen e que comemora os 30 anos da banda: Ballast der Republik. Nessa minha história de não ter internet, parei pra ouvir o CD mais uma vez e acompanhar as letras no encarte. De fato estou aprendendo essa complicada língua, pelo menos já consigo entender boa parte das músicas e essa gritou para ser completamente traduzida. Ela traz todo o sentimento atual alemão em referência a guerra. Tudo o que escrevi pode ser esnobado, a música fala por si. Ainda é um país tentando se reerguer, um país que tem receio de ostentar a bandeira, um país que busca, enfim, ser perdoado por algo que o fez sofrer na época e cujas feridas não foram completamente cicatrizadas.
Tô me estendendo mais do que gostaria. O que quero dizer é que os alemães ainda sofrem com essa sombra de Hitler. Talvez porque na escola ainda se diga "os alemães mataram judeus", quando talvez fosse melhor dizer "Hitler matou judeus". Talvez porque a primeira coisa que as pessoas associam à Alemanha é a guerra. Aliás, no livro A Lista de Schindler, que transcreve o depoimento de um dos caras que narrou fatos que basearam o filme, que ajudou a digitar a lista e foi secretário de um comandante de um campo, é dito que havia judeus que por vezes eram piores que os militares dos campos. Por quê? Porque vendiam colegas por pouco e, por isso, se achavam melhores. É quase como aqueles caçadores de escravos que odiavam negros e... eram negros. Nem todos os judeus eram santos, nem todos os alemães eram diabos. No filme O Pianista aparece um que teve seu nome registrado por, em meio ao exército, salvar muitos judeus da morte (desculpem, mas sou péssima com nomes, vejam o filme).
Sempre digo que o Udo Lindenberg é quase que o Roberto Carlos alemão, já que ele foi um dos precursores do rock nacional, mas ele é ainda mais importante - e não só porque ele não se destruiu ao longo dos anos. Em Berlin há um musical do Udo sobre a garota de Berlin-Oeste, frequente personagem das suas músicas setentistas. Canções de amor que registram um país, uma cidade dividida ao meio, onde um lado era inalcançável para o outro. Em sua passagem pela capital alemã, David Bowie também registrou esse sentimento num dos hinos da época, Heroes/Helden: "Ich glaubte zu träumen, die Mauer im Rucken war kalt, Schüsse reissen die Luft, doch wir kussen als ob nichts geschieht" (Eu acho que eu sonhei, o muro gelado nas costas, tiros rasgando o ar, mas nos beijamos como se nada acontecesse). E ainda tem Scorpions com a música que virou trilha da queda do muro: Wind of change.
Músicas têm aos montes, mas só ontem atentei para a música que dá nome ao 15° álbum de estúdio do Die Toten Hosen e que comemora os 30 anos da banda: Ballast der Republik. Nessa minha história de não ter internet, parei pra ouvir o CD mais uma vez e acompanhar as letras no encarte. De fato estou aprendendo essa complicada língua, pelo menos já consigo entender boa parte das músicas e essa gritou para ser completamente traduzida. Ela traz todo o sentimento atual alemão em referência a guerra. Tudo o que escrevi pode ser esnobado, a música fala por si. Ainda é um país tentando se reerguer, um país que tem receio de ostentar a bandeira, um país que busca, enfim, ser perdoado por algo que o fez sofrer na época e cujas feridas não foram completamente cicatrizadas.
Ballast der Republik
Die Toten Hosen
Ein ganzes Land kniet nieder
Um grande país não fica ajoelhado
Und sagt „Es tut uns leid!“
E diz „Nós sentimos muito!“
Wir geben zu, wir gebe den Krieg verloren
Nós reconhecemos, nós perdemos a guerra
Doch das ist jetzt vorbei
Isso já ficou pra trás
Uns ist klar, wir müssen büβen
Para nós está claro, nós precisamos ser castigados
Damit ihr uns verzeiht
Mas vocês também precisam nos perdoar
Die Nation wird ausgewürfelt
A nação foi destruída
Und dann durch zwei geteilt
E depois dividida em duas
Die einen saufen Coca Cola
Uma bebe Coca Cola
Die anderen fressen Mauerstein
A outra come pedras do Muro
Hier feiert man Wirtschaftswunder
Aqui os homens comemoram o milagre
Und da den 1. Mai
E o primeiro de maio
Doch jeden Tag besucht uns
Todo dia nos visita
Derselbe Parasit
O mesmo parasita
Alle tragen auf ihren Schultern
Todos carregam nos ombros
Den Ballast der Republik
O peso da república
Die alten Panzer sind verrostet
Os antigos Panzers estão apodrecendo
Wir sind wieder vereint
Nós estamos outra vez unidos
Heute quälen uns noch mehr Sorgen
Hoje nos atormentam ainda mais preocupações
Die Kohle wird verheizt
O carvão está queimando
Wir haben keine Zeit mehr
Nós não temos mais tempo
Für Politik und Religion
Para política e religião
Wenn wir an Götter glauben
Quando nós acreditamos em deuses
Dann tragen sie Trikots
É porque eles vestem camisas de futebol
Doch jeden Tag besucht uns
Todo dia nos visita
Derselbe Parasit
O mesmo parasita
Im Kopf und auf den Schultern
Na cabeça e sobre os ombros
Der Ballast der Republik
O peso da república
Er ist wie Pech, das an uns klebt
É como uma maldição que nós carregamos
Der Ballast der Republik
O peso da república
In den Clubs und auf den Straβen
Nos clubes e nas ruas
Alle haben es so satt
Todos estão cansados
Man tanzt bis in den Morgen
Pessoas dançam até amanhecer
Doch die Sorgen fallen nicht ab
Mas mesmo assim as preocupações não diminuem
Und alle schieben Hass
E todos afastam o ódio
Es ist der alte Parasit
Ele é o antigo parasita
Im Kopf und auf den Schultern
Na cabeça e sobre os ombros
Der Ballast der Republik
O peso da república
Texto originalmente publicado no Blogário de Au Pair em 14/06/13. Resolvi repostar aqui por achar que é algo que precisa ser muito refletido. Todos sabemos que Hitler fez horrores, mas já não vale mais se limitar a xingá-lo quando o papo é Segunda Guerra Mundial. Precisamos pensar no que é a Alemanha hoje e no lado vítima que o país teve, tal como temos que debater mais nossa própria Ditadura Militar, em vez de simplesmente ignorá-la.
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