As dunas escondidas

Era verão e o garoto estava caminhando pela beira da praia com o seu pai. Caminharam tanto que chegaram a uma praia que estava vazia exceto por alguns pescadores. Sem turistas sem guarda-sóis, apenas alguns pescadores recolhendo suas redes. Caminharam um pouco mais, deixando os pescadores para trás. Então, quando os pescadores eram apenas vultos, o pai d garoto parou e disse, caminhando em direção às dunas:
-Venha, filho, vou te mostrar uma coisa.
O sol era escaldante, mas o garoto não parecia cansado, estava feliz demais por estar passeando com o pai e vivendo novas aventuras. O pai subiu uma das dunas e o garoto seguiu-o de perto, cheio de energia. Apesar da areia quente queimar seus pés, o garoto em nenhum momento reclamou e em vez de uma expressão de dor ou cansaço seu rosto estampava um sorriso de orelha a orelha.
Quando chegaram ao topo da duna, o garoto imitou o gesto do pai e parou em cima da grama que crescia na duna para poupar seus pés da areia quente. Depois de se preocupar com seus pés, o garoto finalmente reparou na paisagem, enquanto o pai dizia:
-A subida foi um pouco difícil, mas olhe ao seu redor. Daqui temos uma visão melhor do mar do que lá na praia. - Ele apontou para frente, em direção ao mar. - Mas o melhor está aqui atrás.
O pai virou-se e o garoto o imitou. Agora a visão que o garoto tinha era de muitas dunas. 'Dunas que eu nunca veria da praia,' - ele pensou - 'dunas escondidas'.
-Lá na praia em que estamos, filho, não existem dunas atrás daquelas que vemos da praia.
-Por que, pai?
-Porque as pessoas tiraram pra construir as ruas e as casas.
Só então o garoto observou que além das dunas escondidas haviam algumas casas, casas bem simples, mas ainda casas.
-Mas ali também tem ruas e casas e eles não tiraram as dunas.
-Ali é uma praia pequena, onde os pescadores moram. A praia onde estamos também já foi pequena, mas aos poucos mais pessoas foram morar lá e tiraram as dunas e cortaram as árvores para construir casas.
O garoto ficou fascinado com as coisas que o pai mostrou e explicou pra ele e jamais esqueceu daquele momento. O garoto cresceu, terminou um curso superior e em momento nenhum esqueceu do passeio com seu pai na praia. Os anos passaram, o filho casou e o pai envelheceu.
O pai agora ia ser avô, sua nora estava grávida, e isso deixou ele e seu filho imensamente felizes. Mas o destino não foi bom, o inverno chegou e um pequeno resfriado levou à morte o pai do garoto.
Esse acontecimento repentino afetou terrivelmente as emoções do futuro pai e, após o sepultamento ele pegou sua esposa e se dirigiu à praia. Mal chegou à praia, o garoto estacionou o carro e seguiu a pé tentando seguir o mesmo trajeto que ele e o pai tinham feito anos atrás.
Sua esposa só o seguia, preocupada, pois não entendia a ansiedade do marido em fazer uma caminhada na praia logo após o sepultamento do pai, em pleno inverno, com a praia vazia. Por um momento pensou que ele tivesse enlouquecido, mas esse pensamento se afastou quando o marido pareceu notar a presença da esposa ali, depois de muito tempo a ignorando.
-Vamos subir a duna. Não se preocupa eu te ajudo.
Apesar de tentar, o marido não conseguia controlar sua ansiedade, e foi um milagre que a esposa grávida não rolasse duna abaixo. Quando chegaram ao topo o marido acalmou-se subitamente e sua expressão dizia: 'Consegui!'. Lá na frente estava o mar e atrás...
O marido deixou-se cair sentado na duna, extremamente decepcionado. A esposa mesmo sem entender sentou-se ao lado dele e, sem que percebesse, o marido estava em seu colo, chorando como um garoto. Essa foi a única vez que a esposa o viu chorar, nem no enterro do pai ele havia chorado.
-Não há mais dunas escondidas. - Ele disse entre soluços. - Meu pai tinha mostrado elas pra mim quando eu era um garoto, a melhor lembrança da minha infância. E agora o que eu mostrarei para o meu filho?
A esposa o acariciava calmamente. Sorrindo ela disse:
- Ninguém jamais roubará a tua lembrança, querido, e ainda existem muitas dunas escondidas que você e o nosso filho descobrirão juntos.
Os dois permaneceram ali durante algum tempo e puderam ver o sol descer sobre a cidade que antigamente era uma pequena vila de pescadores.


3 comentários:

Aleska Lemos disse...

Emocionante!

Pandora disse...

Eu me pergunto de qual gênero sou mais fã, se do que discuti temas existenciais puxando para os domínios da emoção se o que vai para a ironia fina como uma agulha de insulina... Não sei a resposta, seja como for curti seu texto Dona Ana!

Esse tal de blog é interessante porque mostrar um pouco do nosso caminho intelectual das coisas que nos fazem pensar!

Tita disse...

Acho que as boas lembranças de nossa infância devem ficar somente na memória. Quando voltamos a algum lugar que não vemos desde crianças, quase sempre vamos nos decepcionar...
Tudo vai estar mais urbanizado, mais poluído, vamos atentar para detalhes que não tinham importância para a criança que fomos.
Muito boa a história!