João Batista

Fui convidado, outro dia, para uma festa de batizado. A festa consistiu num churrasco. Aliás, o churrasco se presta bem para essas e diversas outras ocasiões. Nada mais comovente (e substancioso) do que churrasco de casamento, sobretudo quando a nubente se chama Shirley Terezinha.

São os eternos encantos da classe média, isto é, da família. Como ninguém ignora, a classe média é a salvação da lavoura, digo, da família, principalmente se a religião for Umbanda, como em geral acontece.

Já imaginaram o que representa nestas aperturas da civilização ocidental, um mocotó de bodas de prata, tendo como música de fundo (ao bandolim) o Carinhoso, de Pixinguinha? Pois, em verdade, em verdade vos digo, já participei de um desses eventos que, por sinal, teve lugar na Rua da Varzinha, a rua porto-alegrense dos meus amores e das minhas saudades.

Aliás, há coisa assim de uns quarenta anos vivia na Rua da Varzinha uma moçoila em flor, cuja graça, talento e formosura reproduziam, em versão livre, o milagre da Santíssima Trindade.

Araucária Augustifolia,
conhecida no RS como pinheiro.
Tendo sido convidado, como ia dizendo, para uma festa de batizado, compareci munido do devido presentinho para o anjinho. A cerimônia foi realizada no sítio do amigo Inocêncio Jardim, situado a pouca distância da localidade denominada Cazuza Ferreira, 2º distrito do município de São Francisco de Paula, São Chico para os íntimos.

Quando cheguei a local da festa, a derrubada de cervejas já era grande, mas o churrasco, um costilhar de boi serrano, ainda estava longe do ponto de cortar. Fui logo perguntando pela criança do batizado. 

- É aquela ali - indicou Inocêncio, apontando na direção de um enorme pinheiro. - E vai receber o nome de João Batista - acrescentou.

Fiquei então sabedor de que se tratava, realmente, do batizado de gigantesco pé de pinheiro, cuja idade, a julgar pela grossura do tronco, devia andar por volta dos oitenta anos. Como eu próprio já plantara um salso-chorão na frente da minha casa, que recebeu na pia batismal o familiar nome de Inácio, não me causou a menor espécie o procedimento cristão do meu amigo.

Tenho um outro amigo, na cidade de São Gabriel, que costuma botar nome nas árvores de sua estância, mas se recusa a batizá-las, condenando-as, assim, a irem bater com os costados no limbo. A última vez que ali estive de visita, encontrei-o tomando um mate debaixo da Carlota, uma frondosa guajuvira.

Entretanto, foi no sítio de Inocêncio Jardim que assisti dar-se nome a uma árvore, com batismo e a respectiva festa. O ato consistiu no esfacelamento de uma garrafa de cerveja, lançada com violência contra o tronco do vetusto e majestoso pinheiro. 

Segundo meu amigo Inocêncio, que também atende pela alcunha de Laranja-Azeda, por causa do cacoete com que retorce, mesmo durante o sono, sua simpática fisionomia, restam tão poucos pinheiros no Estado que seria a maior das impiedades deixar pagãos os raros sobreviventes.

(Carlos Reverbel)

Essa é a primeira crônica do livro Barco de Papel, livro que contem texto que ele escreveu para jornais. Reverbel foi um dos mais importantes jornalistas gaúchos, sendo criador do sindicato porto-alegrense da classe e um dos que tão bem estudou a vida de João Simões Lopes Neto, um dos mais importantes nomes da literatura daqui. O pinheiro do qual Reverbel fala na crônica é, na verdade, uma Araucária Augustifolia, que nós, gaúchos, vulgarmente chamamos de pinheiro. As araucárias são muito comuns aqui no Rio Grande do Sul se bem que, se há mais de 30 anos Reverbel já chamou atenção para a diminuição da espécie, hoje elas já não têm o mesmo espaço que já tiveram. São os pinheiros que produzem um dos alimentos mais tradicionais do RS: o pinhão. Sabe aquele versinho "Batatinha quando nasce..."? Bom, o pinheiro é tão tradicional aqui que tem seus próprios versos: Pinheiro, me dá uma pinha/Pinha, me dá um pinhão/Menina, me dá um abraço/Que eu te dou meu coração.

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