Imagem x Personalidade

Por vezes é complicado ser gaúcha. As pessoas realmente ligam o termo "gaúcho" a algo egocêntrico. Nunca soube explicar direito onde está a injustiça nisso, mas às vésperas da Semana Farroupilha a resposta me veio. O que me chateia é que as pessoas visualizam os gaúchos tipicamente trajados como seres que já têm pré-conceitos sobre tudo: sobre outros povos, sobre questões sexuais (em todos os sentidos, sobre serem machistas, homofóbicos ou sei lá) e sobre o que mais haja pra palpitar. Só que, não, não é assim. 

Se tenho algum apego incomum pelas tradições gaúchas (creio que isso está mais na música do que em qualquer outra coisa) é mera questão familiar. Minha família materna é do campo. Até pouco tempo atrás não tomava chimarrão, não sei dançar qualquer música gaúcha que seja, há anos não monto a cavalo, há anos não uso um vestido de prenda. Mas aprendi a achar lindo gaúchos de bombacha, gente dançando e cantando músicas nativistas, o linguajar gaúcho e por aí vai. 

O Laçador, em Porto Alegre
Meu primeiro post aqui foi sobre o campo. Falei sobre os fins de semana que ia obrigada para o meu vô. Só agora percebo a beleza que tinha nisso. Eram tão legais os churrascos com os amigos da família, aí alguém tinha uma gaita (acordeon), outro um violão e, depois de todos satisfeitos, faziam uma roda e começavam a cantar. Pessoas simples do campo, que tinham hora pra voltar e recolher o gato. Pessoas que acordavam cedo independente de ser inverno ou verão. Pessoas que não se preocupavam com luxos e tinham um prazer real em estar com amigos. Essas são as pessoas que vestem bombacha todo dia. Essas são as pessoas que ouvem a rádio tradicionalista sempre. Essas são as pessoas que, na juventude, iam a bailes e conheciam as pessoas com quem iriam se casar. Essas são as pessoas, enfim, que se desenha na imagem do gaúcho.

Só que essas pessoas não são, nem de longe, xenofóbicas como alguns creem. Não são essas pessoas que falam mal de nordestinas, assim como não são elas que falam em se separar do Brasil. Esses, provavelmente, são os tais "gauchões de apartamento". Ok, pode ser que haja entre elas uma alma mais resistente e preconceituosa, mas isso, creio, há em todos os lugares. Agora, as pessoas que compram Polar só por só ter no RS não são as do campo. O tal d'O Bairrista? Na certa elas não leem, nem devem saber o que é. Aliás, essas empresas usam o tal ego gaúcho de modo divertido sem jamais ofender alguém e nos fazendo rir da nossa própria cara. Tenham certeza de que 90% dos que compartilham não se acham melhores que qualquer outra cultura.

Sim, há gaúchos egocêntricos e imbecis que se acham melhores que os outros. Sim, eu não acho o orgulho do estado ruim, mas nunca aprovei atitudes como cantar o hino gaúcho em lugar do brasileiro. Só que me chateia tremendamente ver que quando se fala em gaúchos, para muitos seja inevitável falar em egocêntrismo. Tal como me dói ver gaúchos que desprezam a própria cultura como se ela fosse ridícula e sinal de ignorância. Definitivamente não é assim. 

Aos que chamam os gaúchos de machistas: meu avô, um cara que nasceu e se criou no campo, uma vez olhou pra mim e disso: "Tu tá certa, nada de arrumar namorado. Aproveita tudo que tu tiver que aproveitar, transa com quem tu quiser e faz os caras te darem tudo que é coisa. Namoro só quando não tiver mais outros jeito". Isso sem falar naqueles alunos da minha mãe que eram adotados por um casal gay que morou em diversos estados antes de chegar no RS. Acabaram se instalando lá. Por quê? Por ser o lugar em que menos sofreram preconceito. É, talvez eles não sejam tão machistas assim. Xenofóbicos? Toda vez que eu falo que tenho uma amiga no nordeste ou no norte, meu vô é um dos primeiros a dizer que quando elas forem me visitar é pra fazer um churrasco lá no campo. E como eles acham bonita essa tecnologia que faz as pessoas se conhecerem de tão longe. Sem falar na curiosidade de conhecer as culturas variadas existentes no país. 

Estou certa de que aparecerão discursos contra a Semana Farroupilha, mas eu só sou contra chamarem 20 de Setembro de Dia do Gaúcho. Essa é a data para lembrarmos da Revolução Farroupilha, um fato histórico nacional. (Nessa lógica, deveríamos chamar 21 de Abril de Dia do Mineiro, não?) Revolução durante a qual o RS se transformou em república com os dizeres: "Liberdade, igualdade, humanidade". Preciso explicar? Nessa minha convivência com o pessoal do campo, jamais vi algum apoio a preconceitos de qualquer espécie. Se há, ao menos não ficam garganteando por aí, já que de algum lado virá represália. 

Os gaúchos dos quais o Brasil tem a imagem são as pessoas mais simples do universo. Vivem sua cultura por simplesmente terem sido criados assim e não por exaltar qualquer coisa. Aliás, eles acham bonito saber que tantas pessoas acham o dia-a-dia deles tão encantador, seja através de danças ou mesmo das comidas. Eles se divertem contando histórias vividas e jogando baralho. As mulheres dividem igualmente o trabalho com os homens, seja ele pesado ou não. Os bailes são motivo de alegria para pessoas de todas as idades e as mulheres, casadas ou não, se arrumam e se divertem ao máximo. 

O que eu quero dizer com tudo isso é que, assim como fui criada aprendendo a respeitar todas as culturas, espero que respeitem a minha. Respeito, pra mim, é simplesmente não se apegar às palavras que usam pra falar de um estado, especialmente se tu conheces alguém de lá. Vez ou outra ouço críticas aos maranhenses que "se curvam" diante da família Sarney. Não saio em defesa por pura desinformação, mas não dou qualquer apoio a conversa. O que me importa é que eu tenho uma amiga lá, uma das melhores pessoas que o mundo virtual me apresentou, e justamente por ela eu não vou ficar julgando seu estado. Verdade ou não, não me importa. O mesmo acontece com os baianos e tantos outros estados (ou mesmo região). Então, o mínimo que peço, é que quando se use a palavra gaúcho, não se fale em seguida, em tom de menosprezo, em bairrismo e xenofobia. 

Sim, somos bairristas, gostamos da nossa cultura. Mas e daí? Sabemos até onde nosso espaço vai e onde se atravessa a linha do respeito. Isso é liberdade, isso é igualdade, isso é humanidade. Qualquer ser que se ache superior e grite que é gaúcho antes de qualquer coisa (os brasileiros que me conheceram aqui na Alemanha podem confirmar, creio, que nunca agi como se viesse de outro planeta), não sabe realmente muita coisa sobre a sua cultura. É uma questão de amor próprio. Como disse um cara uma vez: "Nós somos ufanistas, cantamos o hino do nosso estado, mas se o outros não cantam, que culpa temos nós?"

Enfim, esse é mais um dos mil textos falando a mesma coisa sobre o RS que escrevi aqui e em outros lugares. Me desculpem por meus conterrâneos imbecis, mas também não julguem todo um povo por eles. E, eu sei, tem muita gente que, ao me conhecer, mudou positivamente sua imagem dos gaúchos, e isso me deixa imensamente feliz, mas ainda há os que nos definem sempre com as mesmas palavras. Vejamos se dessa vez ao menos alguém repensa seu vocabulário.

Até mais ver. 

2 comentários:

Lúcia Soares disse...

Sei que falar dos gaúchos o que vc citou a irrita profundamente, Ana. No que tem razão. Como me irrito quando leio alguém falando do Brasil, nivelando todos nós, como se fôssemos cúmplices de tudo de errado que ocorre no pais. Como mineira, também me orgulho de MG e tudo farei para defender os que dela falarem, ou de nós, mineiros. Não podemos generalizar, há de tudo no meio da fauna humana. rs
Beijo!

Tita disse...

Creio que posso concordar contigo com a maior autoridade do mundo (kkkk já vou ser tachada de egocêntrica), já que sou uma "gaúcha adotiva"!
Como digo brincando, "não espalhem, mas não nasci aqui", conheci Porto Alegre com 6 anos de idade e o que me apaixonou foi justamente o povo gaúcho, essa sensação de pertencer a uma grande família. Além de "adotiva", sou vegetariana, não tenho o hábito do chimarrão e nem frequento CTGs.
Então, como definir o que é ser gaúcho? Exatamente como coloquei ali em cima: uma "grande família", onde tem gente de todas as origens e etnias, com todos os gostos, orientações sexuais, sotaques. Mas todos concordam que essa nossa casa é o melhor lugar do mundo, que nossa família, com todos os seus defeitos e qualidades, é incomparável. É nosso lar, mesmo quando estamos em outro estado ou país. E receber visitas com o maior carinho sempre foi questão de honra para os gaúchos.
Conheci há poucos dias uma alagoana que veio morar em Porto Alegre e falávamos da delícia de uma cidade onde todos podem ser exatamente o que são.
Morando agora numa cidade turística, o que mais ouço é "queria morar aqui, além de ser tudo lindo, as pessoas são receptivas, tão felizes em sua simplicidade, me senti muito bem".
Isso vindo de mineiros, nordestinos, paulistas, cariocas...
Então, acho que nosso bairrismo só incomoda realmente quem não nos conhece de verdade.