Histórias de ônibus;

Ele: Mais um dia havia acabado e minha mochila parecia que triplicara o peso. Subi no ônibus cabisbaixo e cansado e constatei o de sempre: todas as cadeiras perto da janela estavam preenchidas e a pessoa que se sentasse ao lado seria um incômodo. Egoísmo, solidão, fadiga, chame isso lá como queira - eu os entendo -, no final do dia também me sinto assim. Querendo só um pouquinho de paz, ainda que envolto ao aperto cotidiano do transporte público ao barulho caótico do trânsito, uma cadeira nada acolchoada é o descanso e a espera até a chegada em casa.

Naquele dia em específico, havia decidido pegar uma rota diferente da minha só pra ir à casa da minha mãe e o estranhamento pelos rostos distintos me pareceu natural, porque eu tenho dessas, sabe... Faço uma checagem mental pra reconhecer quem me soa amigável, não que eu pretenda conhecê-las, é que não quero me tornar um importuno, já o sendo ao ter minha presença ao seu lado. E chamou minha atenção uma moça escondida por seus óculos um tanto inadequados pro seu rosto oval e pequeno que se compenetrava a um livro ultra grosso. Ela tinha na feição o alívio em estar entretida e nos lábios um semi sorriso, o que me levou automaticamente a sentar-me ali no mesmo banco. Até parecia uma bonequinha. Sua blusa enfeitada de lacinhos, sua pele clara destoante por seus cabelos castanhos escuros que escorriam em ondinhas por seus ombros mais a tornava frágil aos meus olhos.

Eu pude vislumbrá-la por um tempo naquela jornada até que a exaustão me tomou. Recoloquei meus fones de ouvido e no chacoalhar do ônibus fui me pendendo pra todos os ângulos tentando não cair por cima dela, enquanto o sono quase me vencia.

  * * *

Ela: Passei toda a tarde em frente a um computador que nada me acrescentava e pensando nas resenhas, nos relatórios e nas pesquisas de faculdade que ainda tinha por fazer. Talvez, boa parte disso só será feito no fim de semana, onde eu me divido em milhares pra dar conta de tudo. Os meus momentos de distração são aqueles em que posso dormir, conversar com minhas amigas ou só ler. Sendo que essa última opção tem se tornado cada vez mais extinta em meus dias. Às vezes, o fastio é tanto que prefiro ficar vendo televisão ao chegar em casa do que ler. Então nos últimos dias tenho seguido decidida, o único tempo que tenho pra tais leituras é dentro do ônibus, nas idas e vindas da faculdade e trabalho.

Nesses últimos dias tenho conseguido pegar num horário bom o coletivo que passa perto da minha casa e, por isso, sempre fico acomodada perto de uma das janelas, assim me encolho como posso e me sinto mais confortável em não ter que atrapalhar ninguém, apesar de ser tão pequenina pra minha idade.

Um dia desses diverti-me mesmo foi com um sujeito grandalhão que se sentou ao meu lado. Acho que todas as cadeiras que não têm banco à frente já estavam ocupadas e ele sem opções teve que dividir banco comigo. Pouco olhei-o nos olhos. Pra falar bem a verdade, não nos olhamos cara a cara. Minha timidez no momento não permitiu. Nunca o tinha visto antes e, bom, era notável seu incômodo por causa de suas pernas excessivamente longas e devido o espaço ser tão fracionado, ou diria apertado?, o pobre moço teve que se encolher todo pra ficar ali. Senti pena, confesso. Porém, logo depois de muito espiar e tentar desvendar qual era o livro que eu estava lendo, ele se pôs a escutar algo extremamente alto em seus fones de ouvido que eu podia ouvir e, em segundos, começou a cochilar. O que realmente me fez rir internamente. Todo atrapalhado, o coitado tentava firmar o pescoço pr'uma breve soneca, mas lá estava ele quase se despencando sobre mim, ou sendo atirado pra frente, enquanto me desligava desse mundo e me conectava ao das palavras.

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