Gracias, Vitor!

Foto: André Susin

A maior parte dos meus fins de semana de infância foram passados no campo. Pra mim isso sempre foi um tanto angustiante. Inquieta como sou, a falta de uma criança da minha idade ou de um movimento na rua para observar, cheguei a odiar de fato às idas ao "meio-do-mato", como eu chamava. Passava os dias dentro de casa lendo, lendo, lendo. Mas passar as férias de verão era sempre pior. Mais longo, mais devagar.

Íamos visitar meu avô, que nasceu no campo mesmo. Ainda mora nas mesmas terras. Região de Ilhéus, pertencente a Criúva, distrito de Caxias do Sul, terra dos Irmãos Bertussi.  E o quanto ouvi meu avô contar sobre eles! Sobre eles e outros tantos. A história da própria família: meu bisavô foi o primeiro grande fabricante do queijo serrano; minha bisavó veio de Santo Antônio da Patrulha para ser a primeira professora da escola da região. 

Há mais de seis meses estou na Alemanha. Agora aqui é verão, cerca de 30ºC. Lembro do quanto foi angustiante chegar no inverno aqui. Saí uma noite, a neve nas ruas, o vento gelado. Voltei para casa e, ao fechar a porta, estava em outro mundo: quente, sem necessidade de casacos ou dois pares de meias. A primeira coisa que fiz foi ligar o computador e procurar Ramilonga para ouvir. Por quê?

Bom, demorei um pouco para entender isso, mas entendi. Me foi decepcionante não ter uma lareira perto da qual me esquentar. Me foi decepcionante a falta de uma panela cozinhando pinhão no fogão. Lembrei das noites no campo com meu avô e meu tio. Perto da lareira ou do fogão a lenha, uma mesa de baralho, um prato de pinhão e os causos do meu avô. Lembro que meus pais chegavam até a esquentar tijolos no fogão a lenha para depois pôr nos nossos pés. Casa antiga, de madeira, com o vento soando pelas frestas e sacudindo as janelas. 

E então chegou o verão alemão tão esperado. Demorou a aparecer, hein? Para minha surpresa, minha necessidade de ouvir Vitor Ramil ficou maior. Acho que meu espírito está mesmo conectado ao sul, desejando estar no inverno serrano. Lembro de quando meu tio morava com nós. Eu sempre fui de acordar cedo e me alegrava, aos sábados, ir no pátio e encontrar meu tio tomando o mate e ouvindo suas milongas. No inverno era mais bonito, pelo menos quando tinha o sol para lagartear. 

Durante muito tempo, Vitor Ramil era só um nome sobre o qual eu tanto ouvia meu tio falar. Então o rádio um dia trouxe Joquim aos meus ouvidos e me fez ter vontade de realmente descobrir o que significa o nome que meu tio tanto falava. Me encantei. Mas só agora, do outro lado do Atlântico, com um calor de 30ºC em uma época em que eu devia estar sentindo o frio serrano, é que tudo fez sentido. Ramilonga fez sentido. A Estética do Frio fez sentido. Vitor Ramil fez sentido. 

E, por mais que a Alemanha esteja me recebendo bem, conto os dias para voltar. Assim como Floriano Terra Cambará voltou para Santa Fé para "terminar de nascer". Assim como Vitor Ramil voltou a Pelotas. As pessoas me perguntam porquê eu quero voltar. Minha resposta minha mãe está espalhando por toda a cidade e, de acordo com ela, quase fez meu avô chorar: Inverno pra mim é lareira, baralho, pinhão e milonga

Chimarrão? Eu trouxe ele comigo. Ele me consola, me traz boas lembranças, mas me lembra que aqui não é a minha terra. Não é uma mera questão de saudades, é, talvez, uma questão de bem-estar. Gosto de ouvir o vento frio batendo na janela. Gosto de me enrolar nas cobertas em uma noite gelada. Gosto de ligar o rádio pela manhã e ouvir música gaúcha. Não sei metade dos detalhes que formam a cultura que une Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina, tudo que sei é que ela me faz bem, faz com que eu me sinta em casa. 

Ontem quando eu falei com minha mãe sobre como a Estética do Frio tem me feito sentido, ela me perguntou: E tu já escreveu para ele agradecendo? No momento achei uma ideia engraçada, mas então lembrei da simpatia e simplicidade que, há uns anos atrás, Vitor Ramil atendeu a mim e meu tio numa sessão de autógrafos em Caxias do Sul. Ainda lembro da minha alegria por estar junto do meu tio quando eu conhecia aquele que leva o nome que eu tanto ouvi durante minhas "aulas de baralho". 

Eu só quero te agradecer, Vitor. Por quê? Ora, pelas canções. Pelas canções que foram trilha de alguns dos melhores momentos da minha infância. Pelas músicas que dão certo consolo a quilômetros de distância. Pelas canções que, enfim, me fizeram perceber que sorte eu tive por ter essas raízes campeiras. Gracias!

1 comentários:

Allyne Araújo disse...

Acho que cada um tem o seu lugar, e nao adianta outras pessoas dizerem que não, que isso não existe, porque é pura autoenrolação, ou coisas do tipo. Bjo!!!!