E por que não?

Estranhamente pra alguns, eu gosto de Caxias do Sul. Eu gosto do Rio Grande do Sul. Eu gosto do Brasil. E essa última afirmação só se formou quando eu retornei do meu ano na Alemanha. Quando eu fui, eu disse que voltava. Voltei. E não lamento. Sim, eu sei, é absurdo. 

É absurdo que eu não queira correr de volta pro país que me recebeu absurdamente bem. É absurdo que eu não queira voltar pras pessoas que paravam pra pedir se eu precisava de ajuda, mesmo eu não precisando. É absurdo que eu goste da ideia de ter voltado pra um país de terceiro mundo depois de ter passado praticamente 12 meses em um que é exemplo em inúmeras áreas. Ridículo, eu sei. 

É ridículo que eu me sinta mais à vontade no Brasil em que não se pode andar nas ruas sozinha à noite e dizer que me sentia sufocada em um lugar com jardins abertos e casas aquecidas. É ridículo que eu não esteja correndo atrás de oportunidades pra me instalar definitivamente do outro lado do Atlântico e que nunca tenha sido uma grande estudante de alemão pra ter mais chances. Na verdade, é covarde. 

É covarde a comparação Alemanha x Brasil. Foi covarde minha fuga pra lá, foi covarde meu retorno pra cá. Sou covarde, confesso. Prefiro a segurança de uma faculdade brasileira, provavelmente inferior às alemãs, do que o desafio de construir uma vida lá do zero. Sou covarde, eu sei. Não tive coragem pra encarar a evolução germânica enquanto pensava no Brasil tropeçando nos seus próprios pés. Sou orgulhosa. 

Meu orgulho jamais me deixaria me esconder na Europa. Me olharia no espelho todo dia e diria "Merda!" e não "Scheiβe" como digo aqui sempre. Ou melhor, meu orgulho diria, meu infame orgulho. Meu orgulho não me deixaria ficar num paraíso sem praias enquanto há tanto a se fazer por aqui. Meu orgulho. Minha consciência. Não, melhor, minha teimosia. 

Sou teimosa por teima mesmo. É tedioso não ser. Eu preciso teimar com algo pra ter com que me ocupar. Eu não conseguiria achar algo pra teimar lá, me entediaria. Teimaria com o Brasil à distância. Teimaria inutilmente. Ainda menos graça. É preciso teimar de perto. Teimosia é discussão cara a cara, mas também cutucar até incomodar o suficiente pra mudar algo. Como fazer isso à distância? Sou cara de pau mesmo. 

Sou cara de pau. Dou a cara a tapa. É mais interessante, divertido. Se há tanto problema aqui, melhor ser cara de pau por essas bandas. Não, não quero ser heroína, só quero por em teste o que aprendi do outro lado do Atlântico e arriscar mudar algo por aqui, mesmo que seja mínimo. Sim, vou ganhar mais tapas do que outra coisa, mas na certa minha cara de pau aqui vai ter mais valor do que seria lutar pelo Brasil do outro lado do oceano. Aliás, existe mesmo isso de lutar por algo vendo tudo por um monitor? Prefiro arriscar aqui. 

Quem não arrisca, não petisca. Podemos demorar anos pra petiscar algo, mas não arriscar só retarda mais as coisas. Vou continuar arriscando andar nas ruas brasileiras à noite sozinha só porque o risco de passar algumas ideias que vi lá do outro lado valem a pena. Quero que as pessoas se arrisquem também. Se arrisquem como lá. Se arrisquem em ajudar sem pedir nada em troca. Se arrisquem ao não ficar controlando a vida alheia. Se arrisquem por se arriscar, pela diversão, pela emoção. 

Emoção. Essa palavra tem significado quando tu estás cercado por um cenário branco como nos filmes e pensa nas paredes frias da terra de onde veio, na lareira e na milonga. Tem significado quando tu escutas um corvo e sente falta do grito do quero-quero. Tem significado quando tu sentes saudades do Sol e percebe que da terra de onde veio ele brilha sempre. Tem significado quando o Sol finalmente aparece, mas uma viagem de poucas horas num carro não te levará pra beira do mar. Tem significado quando tu encontras pessoas de outras regiões da tua terra e descobre que não conhece o país de onde veio. Tem significado quando tu se sentes bem recebida mas, apesar disso, não consegue pensar que precisa retornar. Precisa "terminar de nascer", diria Floriano Terra Cambará. Terminar.

Terminar o que aprendi. Qualquer professor dirá que o aluno que realmente aprendeu é aquele que consegue utilizar naturalmente certas fórmulas no dia a dia. Vou terminar o que aprendi lá quando conseguir vivenciar o que vi lá, aqui; quando conseguir repassar o que vi e vivi com os alemães. Não, eu não quero mudar o Brasil, se passar um quinto do que aprendi lá pra uma única pessoa, já sou feliz. De grão em grão a galinha enche o papo, afinal. Enche o papo, fica gorda e satisfeita.

Satisfeita jamais vou ficar. Tenho ideias absurdas, até ridículas, mas me orgulho delas, teimo nelas, sou por vezes cara de pau. Me sinto bem sendo assim. Gosto de arriscar, da alegria da vitória, da angústia da derrota, de acompanhar nervosamente o cronômetro até os segundos finais pra ver o que vai acontecer. Sou do contra, eu sei, mas gosto de ser assim. É diferente. O Brasil é diferente da Alemanha e eu gosto disso. 

Gosto das praias e dos diferentes climas daqui. Gosto da ideia de ter um país desse tamanho pra conhecer. Um país a desvendar que fala a minha língua materna, e já faz algum tempo que admiti gostar da Língua Portuguesa. Gosto de sonhar mil mudanças pro Brasil, mas me alegro mais ainda em saber que posso mudar o dia de alguém apenas fazendo uma gentileza inesperada. Gosto das ideias alemãs, mas também das emoções brasileiras. Gosto do inesperado, das adaptações, de tantas diferenças num só lugar, dos desafios a enfrentar, gosto do frio do inverno, gosto da praia no verão, gosto do Brasil. E por que não gostaria? E por que me mudaria? Então eu fico. 

Fico por ficar. 

1 comentários:

Dayane Pereira disse...

Ah Ana que lindo! Penso que só quem viveu longe de seu país e de sua família tem essa propriedade para decidir o que é melhor, onde seu coração está. Pra nós que não vivemos fora, é fácil julgar e dizer que vc é louca de ter voltado, se fosse eu ficava lá e blá blá blá. Mas vc viveu a experiência e escolheu ficar. Então, bem vinda de volta.