O fim.

O primeiro post do Gurias Arretadas, o nosso GA, foi publicado em 24 de julho de 2011. Nesses quase três anos de blog, fora este, 526 posts foram publicados e 1.660 comentários recebidos. Muita coisa pra seis gurias que, vindas uma de cada canto do país, se juntaram nesse projeto coletivo. Entre ideias comuns e opiniões bem diferentes, uma coisa se formou: amizade. Parece comum demais dizer isso, mas é real. 

Passamos por mudanças estruturais no blog, isso sem falar nas visuais (que foram completamente visíveis, tamanha a evolução que se procedeu do início até aqui) e conseguimos, vez por outra, levantar questões e debates bem interessantes, sem jamais faltar ao respeito com ninguém. Enfim, foram coisas demais que, a meu ver, parecem ter acontecido em um tempo bem maior que quase três anos. 

Mas para tudo há um fim, e agora é a vez do GA. Quem nos acompanha pode ter percebido que, de uns tempos pra cá, os posts estão quase que escassos. Não é má vontade, longe disso, apenas resultado da vida atribulada que todas estão tendo. Inúmeras vezes pensamos em nos reestruturar de maneira que o blog não perdesse, mas também não pesasse, porém agora é mais complicado. Queremos ter o GA em mente por todas as coisas boas que nos trouxe e não mantê-lo como mais uma obrigação, não seria legal pra nós e nem para quem nos lê, já que ele foi projetado como algo que, com suas diferenças culturais, fosse interessante e divertido. 

Enfim, não é fácil dizer adeus ao GA e, provavelmente, daqui uns dias eu vou me perguntar que dia devo postar pra só depois lembrar que acabou. Mas vai permanecer a Conversa Eterna no facebook, com todas as gurias, e o contato e amizade criados através do blog com leitores e blogueiros. Nunca se sabe o dia de amanhã, pode ser que o GA ressurja, como pode ser que não, então, por agora, é o fim. 

Como uma das idealizadoras, como a "chefinha", gostaria de agradecer imensamente a todos que nos leram, mas especialmente às gurias que deram cara a esse blog. Erica Ferro, tu foi a minha cúmplice, da criação até agora, no fim, e tu sabe o que isso significa tanto quanto eu, então agradecimentos a ti são altamente desnecessários. Allyne Araújo, obrigada por jamais desistir do GA, mas "tudo acaba onde começou", como diria Raul, um dia teríamos que terminar. Bárbara Farias, obrigada pela paciência e boa vontade em discordar de mim e sempre levantar debates interessantes e necessários, tanto aqui quanto na Conversa Eterna, isso é ter personalidade, opinião, jamais perca isso. Dayane Pereira, tu pode ter deixado o GA nos últimos tempos, mas nunca deixou de fazer parte dele, obrigada pelo seu toque paulista sempre com posts interessantes. Rebeca Postigo, tu tentou, mas não conseguiu ficar longe do blog, por favor, também não se mantenha longe da Conversa Eterna, e obrigada por tudo, especialmente por teus calendários, sem os quais estaríamos verdadeiramente perdidas. 

Outro agradecimento que não posso deixar de fazer é pra Janaina Barreto, responsável por criar um layout que satisfizesse seis cabeças totalmente diferentes sem deixar de agradar cada um que passou, passa e passará por aqui (porque o blog vai permanecer online, apenas sem postagens novas). 

De verdade, eu escreveria mais e mais linhas só agradecendo e reagradecendo, mas é melhor parar de enrolar. O GA chega ao fim, mas todas nós permaneceremos por aí, no facebook, twitter e em outros blogs, afinal as Gurias permanecerão sendo Arretadas. 

Muito, muito, muito obrigada a todos por tudo. E até um dia!

Ana Seerig

O escritor trabalhando

Se os escritores pudessem trabalhar em fábricas grandes e bem ventiladas, como os fabricantes de charutos ou cuecas, cercados de colegas trocando mexericos  profissionais, sua labuta seria imensamente mais leve. Mas é essencial ao seu ofício que desempenhem suas tediosas e vexatórias operações a capella, o que faz com que os horrores da solidão se somem às suas outras fragilidades. Um escritor trabalhando está, contínua e inescapavelmente, na presença de si mesmo. Não há nada para entretê-lo ou consolá-lo. Toda vez que um pensamento vadio o invade, pega-o instantaneamente pela orelha, e toda vez que uma cãibra desce por sua perna, sacode-o como a mordida de um tigre. Estou para conhecer um escritor que não seja hipocondríaco. Com exceção dos médicos, que estão sempre doentes e com medo de morrer, os litterati são talvez os mais pródigos consumidores de pílulas e cirurgiões. Não consigo pensar em nenhum, entre minhas relações, que não se entupa diariamente dessas coisas ou que não entre regularmente na faca.

Deve ser óbvio que outros homens, mesmo entre a intelligentsia, não são acossados com tanta crueldade. Um juiz, com tinido da campainha em seus ouvidos, pode trabalhar sossegado, fingindo ouvir a voluptuosa retórica dos advogados. Um padre, ao celebrar sua pantomima, raramente é atacado por azia: o que ele tem a dizer já foi dito antes, e só os cretinos questionam. E um cirurgião, aplicando-se no mistério de sua arte, não sofre nenhum prejuízo profissional quando o invade o selvagem pensamento de que sua enfermeira, pensando bem, põe sua patroa no chinelo. Mas desafio qualquer um a escrever um poema competente ao som de campainhas, escrever uma crítica séria sofrendo de azia ou descrever uma plausível cena de amor com a cabeça cheia de fantasias amorosas. Impossível. O pobre litteratus se defronta com isso todas as vezes em que se senta à sua mesa de trabalho e cospe nas mãos de ansiedade. Assim que a porta se fecha, começa sua luta deprimente e já perdida com seu corpo e mente. 

Por que, então, homens e mulheres racionais se sujeitam a uma vocação tão bárbara e exaustiva? - porque há escritores relativamente inteligentes e esclarecidos, lembre-se, assim como há políticos relativamente honestos e até bispos. O que impede esses escritores de desertar, dedicando-se a outras ocupações menos onerosas e, aos olhos de seus semelhantes, mais respeitáveis? Uma das razões, acredito, é que o escritor, como qualquer outro suposto artista, é alguém em quem a vaidade normal dos outros homens é tão vastamente exagerada que ele não consegue retraí-la. Seu impulso arrebatador é rodopiar sobre seus semelhantes, batendo asas e emitindo gritos de desafio. Como isso é proibido pela polícia de todos os países civilizados, ele se conforma em pôr esses gritos no papel. É o que se chama de autoexpressão.

Nas confidências dos litterati, naturalmente, isso é sempre descrito como algo muito mais maduro e virtuoso. Alguns afirmam que são movidos pela ânsia de iluminar e salvar o mundo; outros alegam que seu motor é a paixão pela beleza. Ambas as teorias são rapidamente descartadas por um apelo aos fatos. O material produzido por 90% dos escritores, como deve parecer claro até aos cegos, tem tanto a ver com a iluminação do mundo quanto um rol de roupa. E não há mais beleza nele, nem sinal de um sentimento de beleza, do que se pode encontrar na decoração de um nightclub. O impulso para criar beleza, na realidade, é bem raro nos escritores e quase inexistente nos escritores mais jovens. Se às vezes ele surge, será como numa espécie de segunda reflexão. Léguas à sua frente, vem o anseio de ganhar dinheiro. E, depois deste, o anseio de fazer barulho. O impulso de criar beleza fica para trás. Os escritores, como classe, são extraordinariamente insensíveis a ela, e o fato se revela em sua habitual (em alguns casos, inacreditavelmente extensa) ignorância das outras artes. Eu não me atreveria a citar seis romancistas americanos capazes de reconhecer uma fuga sem embatucar. Os seis poetas capazes de um razoável arrazoado sobre as diferenças entre uma catedral gótica e um posto da Standard Oil. 

A coisa ainda vai mais longe. A maioria dos romancistas, em minha experiência, não sabe nada de poesia, assim como pouquíssimos poetas têm qualquer interesse pelas belezas da prosa. Quanto aos teatrólogos, três quartos deles ainda não foram informados da existência nem de uma nem de outra. Doi-me o calo revelar fatos tão vergonhosos e inconvenientes. Se eles deviam permanecer ocultos, a culpa só pode ser de minha paixão científica. Essa paixão, hoje, me pegou pela orelha. 

(H. L. Mencken)

Texto escrito em 1926 e retirado de "O livro dos insultos", uma seleção de crônicas do jornalista americano H.L. Mencken. Nem lembrava mais dele, escolhi ao abrir o livro. Boa descoberta, hein? Livro mais do que recomendado!

Egal: a melhor palavra do alemão

"Pra mim tanto faz", ou algo assim. 
Em um dicionário português-inglês, "egal" é traduzido como "indiferente". Na verdade, vai além disso. Pelo menos pra mim. É aquele "tanto faz", "azar", nada mais do que o "ligar o foda-se". Nos meus últimos (e angustiantes) dias na Gastfamilie, essa se tornou minha palavra. Um acordo, até, que fiz com uma amiga de lá. "Alles ist egal!" e pronto. Nada de ficar remoendo coisa, pensando no que os outros vão pensar, no certo e no errado, em atrapalhar ou não... Em resumo, nada de ficar enchendo a cabeça de minhoca sem sentido. Tudo é EGAL! (Desculpa, não consigo traduzir essa palavra. Egal é egal.)

E é essa uma das faltas que a Alemanha faz: poder usar e abusar do egal. Poder fazer e desfazer tudo a nosso bel prazer. Sair sozinha, beber e falar com as pessoas apenas por ser divertido, sem se preocupar com os outros olhando e analisando. Decidir de um dia pro outro viajar, seja sozinha ou com os amigos, sem ter muitas explicações pra dar. Decidir ficar em casa mesmo tendo tido a intenção de sair, apenas pelo prazer de abusar da preguiça. 

Egal o que vamos fazer. Egal o que não vamos fazer. Egal o que dizemos. Egal o que não dizemos e os outros imaginam. Egal a mania detalhista alemã que pode nos deixar neuróticos. Egal ser as únicas a subir em bancos agarradas a copos de cerveja e cantar "99 Luftballons". Egal perder o trem e passar a noite no sofá de um estranho. Egal o trem estar lotado e sentar horas no corredor. Egal pegar carona com alguém que tu conhece só há algumas horas. Egal tu fazer fiasco cantando em português pelas ruas de Munique. Egal passar a noite na estação por mera economia de dinheiro. Egal, egal, egal... alles ganz egal!

Essa é das coisas que tenho que aprender a aplicar aqui: o uso da palavra "egal". É, sem dúvida, libertador. (E "egal" se diz exatamente assim: "egal". Pratique, é edificante.)

Solidão não pede coração vazio - Frederico Elboni

Solidão não pede coração vazio

Frederico Elboni

Esses dias me perguntaram o porquê de eu gostar tanto de ficar sozinho. E como se não houvesse outra saída, respondi: Pois solidão é companhia.

Todos com olhares de pouca compreensão e, mais perdidos do que cebola em salada de fruta, disseram: “Ah, mas um dia vais querer alguém para dividir a vida e…”  E fazer sexo em lugares inusitados, acrescentei. Instantes depois respondi em tom de afirmação: “Claro que vou, quem não quer viver de amores?”

Todos confusos e com as sobrancelhas arqueadas em forma de interrogação, questionaram-se em silêncio: “Como esse cara diz gostar da solidão, mas quer viver com alguém?” Tudo isso como se a solidão pedisse escuro, amargor no peito e whisky sem gelo. Como se a solidão fosse, somente, solidão.

A questão é que quando digo gostar da solidão, todos – quase sempre – se entreolham com olhares assustados e contemplativos, como se a solidão necessitasse de um coração vazio. E assim, como se soubessem tudo sobre a vida e suas escolhas insólitas, constroem castelos de verdades, como se a solidão fosse: eu sem opções. Mas mal sabem eles que a solidão sou eu com todas opções.

Ah, que burrice achar que na solidão não há solidariedade… Nas escolas deveriam incluir aulas de solidão. E antes que você me julgue louco – o que eu até acharia um charme – pense comigo o quão gostoso é esse seu momento sozinha me lendo. Todos a sua volta podem achar que no fundo você realmente está sozinha, mas, pelo menos pra mim, estamos aqui juntos. Você me lendo, eu te lendo, e quem sabe, sorrindo. Solidão é isso, autoconhecimento, certezas assentidas e plenitude. É sorrir sozinho, mas no fundo, estar tão junto de si, do mundo, dos outros.

Eu amo sentar e refletir sobre os horizontes que ainda terei que descortinar, as bocas que irei beijar e roubar céus de batom, os plásticos bolha que ainda estourarei com cara de batata-sorriso e os aprendizados que irei retirar das saudades e suas solidões acompanhadas.

Ouvir música é solidão. Pensar é solidão. Escrever é solidão. Se interiorizar e equilibrar as emoções é solidão. As solidões se protegem e agregam umas às outras. Fluir na leveza da solidão é ter coragem de se enfrentar. E se enfrentar é descobrir como somos mistérios.


Quem sabe respeitar a minha solidão ganha o melhor de mim. E olha que nem estou falando de sexo e panquecas.

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Frederico Elboni por ele mesmoPode me chamar de Fred. Chato e ranzinza por opção. Apaixonado pelo comportamento humano e suas facetas. Autor roteirista do Amor & Sexo da Globo. Apaixonado pelos conhecimentos empíricos da vida, sushi e nhá benta. Acredito fidedignamente na teoria que os sorrisos podem curar qualquer coisa. Agora, deixe-se envolver pelo blog e pare de olhar a minha cara de mamão. Ah, e autor do livro "Um sorriso ou dois".(...)
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